Ao contrário da generalidade dos projectos facturados (e estou a generalizar, porque existem surpreendentes e deliciosas excepções) há algo de extraordinário nestas experiências de contribuição que, noutras áreas não se encontram com tanta frequência.
Podia descrever as inúmeras experiências que tenho tido e presenciado... mas vou apenas dar um resumo de algumas que me marcaram por um ou outro motivo.
Podia descrever as famílias com que convivi em Moçambique, em que a mais velha e responsável da família tinha somente 14 anos. Não foi apenas uma família. E neste processo, além de lidar com a pobreza, a incerteza do futuro, a doença, a morte, a escassez do mais básico e que tão banalmente aqui damos por adquirido, dos naturais desafios próprios da idade... ainda lidam com a responsabilidade de cuidar dos mais novos, de garantir o sustento, a educação, a orientação para que cresçam saudáveis e felizes.
Podia descrever o toxicodependente com quem tive uma descontraída conversa, ambos sentados no lanço de um passeio em Lisboa, Alcântara, enquanto ele comia um prato de comida quente e eu me interessava genuinamente pelos seus hábitos e estilo de vida. No fim, agradeceu de coração afirmando que eles, os sem-abrigo, são invisíveis à sociedade. E nós, os voluntários, tornamo-los visíveis ao mundo, sem qualquer julgamento, dando-lhes voz e uma sensação de valor, nem que fosse por apenas breves instantes.
Podia descrever o homem que desistiu de viver, e que deambula inconsciente pelas ruas da cidade. Castiga-se numa vida de rua, bêbado sempre que pode, que dança com uma alegria contagiante mas que é, afinal, superficial. E chora minutos depois, desesperado pela morte da sua mulher e filha num acidente de viação anos antes. Perdeu tudo pela sua incapacidade de lidar com a realidade, de aceitar o desfecho, impotente perante a fatalidade. E aqueles minutos de atenção dão-lhe sentido de si, de vida, de valor. E dança, e ri, e partilha algumas das suas melhores memórias de família com o mesmo brilho nos olhos que uma criança a abrir o seu mais desejado presente.
Podia descrever os olhos brilhantes de felicidade de alguns desempregados de longo termo. Aqueles a quem o rendimento mínimo de pouco vale e que vivem no desespero da dependência que é tão escassa e insuficiente. Os seus sentimentos de insuficiência, desconsiderados pelo mercado de trabalho. Os seus olhos abrem-se de esperança quando pessoas activas se preocupam, lhes dão atenção, e que contribuem para a sua aprendizagem e evolução pessoal. Afinal há esperança, e naqueles momentos, o mundo muda de tons de cinza para um colorido de vivas cores. Houvesse tempo e estrutura para dar continuidade a estes projectos, e mais pessoas interessadas em contribuir, a começar pelos organismos púbicos que dão, por vezes, apenas passos tímidos e curtos nessa direcção, e talvez tivéssemos mais independentes capazes de dar os seus próprios passos.
Podia descrever os contactos com adolescentes cujo valor pessoal foi irresponsavelmente espezinhado, e se escondem agora atrás de armaduras de ferro para dissimular a sua angústia. Deixaram de acreditar em si mesmos, e dedicam-se mais à validação das críticas que lhes são dirigidas, dos negros futuros que lhes traçados, que na sua essência e capacidade de decidir e agira por si, para romperem o ciclo vicioso em que foram colocados. Fiquei especialmente feliz por ver alguns projectos que revertem estes ciclos, ajudando estes jovens a criarem novos futuros de valor para si, e para os que os rodeiam.
Podia até mencionar tantos outros casos com os quais não tenho lidado directamente, mas que acompanho à distância através de amigos que, munidos da sua vontade de criar um mundo melhor, arregaçam as mangas e contribuem com o que sabem e podem, e que tantas vezes produzem autênticos milagres.
Por fim... nem é preciso tanto. Basta dar atenção à pessoa do lado. Ajudar alguém em dificuldades na fila das compras de supermercado. Aliviar a carga de alguém a subir umas escadas com sacos pesados. Pagar um café a um desconhecido. Sorrir! Dizer "Olá!" ou "Bom dia!" Tantos pequenos gestos que podemos fazer... diariamente! E são tão fáceis.
Grande parte do meu trabalho é de contribuição. Pode-se dizer que é, em certa medida, um acto egoísta. Dá-me prazer contribuir, ajudar, e sentir que fiz a diferença, por pequena que possa ser. Na verdade, é sempre pequena. Há uma grande parte que depende da outra pessoa. O nosso contributo, o meu contributo, é mais de exemplo, de arranque, de facilitar os primeiros passos. E é-me especialmente reconfortante ver caminhos a abrirem-se, passo a passo, por alguém que decidiu assumir a sua responsabilidade pessoal.
Uma palavra, um gesto, um olhar... A contribuição, afinal, está ao alcance de toda e qualquer pessoa.
E estou grato por isso!