os problemas
que colocamos nos outros
são,
de facto,
nossos...
Por vezes escrevo. Um texto num dia. Outro texto uns meses depois. Outras vezes escrevo com frequência. Não escrevo todos os dias, mas bem podia fazê-lo. Parece que me sinto mais inspirado em dois estados bem distintos. Ou na depressão, não extrema, ou na paixão. Mas é claramente a depressão que mais facilmente me leva a pegar na esferográfica e no papel, mesmo que rasgado do tampo de uma mesa de restaurante num apressado almoço de semana. Agora é mais com recurso ao teclado virtual do telemóvel. Tão virtual como parecem ser cada vez mais as nossas vidas. Mas estava eu aqui a pensar que escrevo para expor as minhas ideias, os meus sentimentos, as minhas queixas, histórias e desejos. Por vezes, as minhas paixões. E é bom escrever. Uma das vantagens é o desabafo. Sabe bem desabafar. Deitar cá para fora. É certo que ninguém responde. Mas num desabafo, isso é somenos importante. E no final, se precisares de um abraço ou uma palavra amiga, contacta aquela pessoa que tu sabes. Assim ela não perde tempo e centra-se no essencial - dar-te apoio. Outra vantagem é a retrospectiva. E neste caso quero salientar dois tempos: o imediato e o longo prazo. No imediato consegue-se, muitas vezes, uma nova perspectiva. Uma outra forma de olhar que magicamente confere clareza. E nessa clareza surgem novas ideias, abordagens e possibilidades. É um processo interessante. Recordo-me agora de um momento em que me encontrava desesperado. O coração batia a mil, a respiração estava curta e rápida, e só pensava num limitado leque de negros cenários, num desfecho que avaliei como terrível. Pior, é que estava prestes a estar acompanhado por alguém com quem não queria, de todo, partilhar aquele desespero. E na aparente impotência de alterar o estado, de encontrar cenários alternativos, escrevi rapidamente a quatro amigos especiais. Assim que conclui o longo texto com o que estava a passar e a sentir, decidi reler. Afinal estava num estado alterado e a velocidade com que escrevi dava aso a erros e mensagens ininteligiveis. Ao reler, cheguei ao fim com um "E??!?..." O insight foi incrível. Não havia problema. Tudo se conciliou perfeitamente. O problema foi demasiado foco num único desfecho hipotético ao ponto de não ver mais nada. A respiração acalmou e tornou-se mais profunda. O ritmo cardíaco voltou ao normal. O sorriso voltou. E tudo ficou bem. Apaguei a longa mensagem e escrevi apenas "Obrigado por estarem aí." Fazer uma retrospectiva requer uma análise, e uma análise requer algum distanciamento. É este distanciamento que permite novas abordagens, por proporcionar uma alargada observação de um todo. E é nestas novas abordagens que se encontram novas possibilidades. A retrospectiva no tempo tem também vantagens. Observar as nossas ideias e sentimentos ao longo do tempo ajuda-nos de várias formas. Pode ser no reencontro com as nossas intenções, os nossos sonhos e vontades. Pode ser na perspectiva da nossa evolução pessoal. Pode ser na consistência de certos valores. Pode ser na observação de que já ultrapassamos tantas situações nas nossas vidas, que esta é apenas mais uma a acrescentar força, experiência e conhecimento, mesmo que possa não parecer nalgum momento em particular. A retrospectiva ajuda-nos também no nosso reconhecimento, na conexão connosco e na observação dos processos que podemos manter, melhorar ou alterar. E por vezes, é também extremamente divertido. Escrever... em cadernos físicos ou digitais, privados ou públicos, é uma forma de contactar-nos com a nossa essência. Por vezes é quase como meditar, só que fica registado para memória futura. Para as retrospectivas da vida. Para a nossa própria evolução pessoal. O que escreves agora? A dor pode ser real agora.
O sofrimento, por outro lado, já parece depender de uma construção mental assente na memória de um passado ou na ansiedade de um futuro alucinado. Vejamos... de que formas se pode sofrer sem passado nem futuro? Então... esquecemos? Deixamos de criar cenários futuros? Esquecer retira-nos a capacidade de aprender e evoluir. Deixar de criar futuros possíveis retira-nos a capacidade de sonhar e melhor escolher comportamentos presentes. Então... o sofrimento é inevitável? Nalgumas vezes, talvez. Na maioria das vezes, acredito que é perfeitamente evitável. E mesmo quando se manifesta, só pela compreensão do seu processo se pode aligeirar e até anular o seu efeito. Como? Aaaah... isso já é outra conversa... Verdi era um génio!
Mas isso agora não interessa nada. Nunca liguei muito às histórias que as óperas representam, com algumas excepções. Quando a minha curiosidade me leva a procurar a história de uma ópera, algo acontece à forma como passo a ouvir e a sentir as vozes, os coros, as melodias instrumentais, os silêncios... e normalmente prefiro a magia antes sentida. Aquela que cria imagens e enredos na minha imaginação, somente pelos sons captados. Então, passo por um período de "esquecimento", até retornar a um estado semelhante ao inicial. Mas nunca é igual. Mesmo que nunca chegue a saber da história. Ao longo do tempo, e a cada momento, a percepção muda, e assim os sentimentos. É mais ou menos como em outras coisas do dia-a-dia... nunca é igual, e será sempre uma primeira vez... - "Estas conversas... as memórias daqueles momentos... por vezes não sei se ajudam ou se pioram... não seria bom, às vezes, esquecer tudo?"
- "Esta dor é tudo o que me resta daquele amor... esquecer seria arrancar de mim uma parte que me faz ser eu... e deixar de reviver todas aquelas partilhas fantásticas que tivemos juntos." Há 4 anos foi assim, em Chongoene, Moçambique, com as crianças de uma escolinha apoiada pela organização Um Pequeno Gesto e com a qual estava a colaborar na altura como voluntário.
O aniversário foi memorável, com troca de "prendas" simbólicas e de que todos partilhámos e usufruímos, por entre abraços, muita amizade e sorrisos abertos. A simplicidade da celebração e a intensidade das emoções fizeram com que fosse um dia mágico, absolutamente fantástico e que revela bem que os actos mais simples são, de facto, aqueles que mais nos marcam, quando feitos com intenção e presença. Aqueles olhares, aqueles sorrisos, aquelas alegrias, ficarão para sempre guardados. Que todos os dias consigas trazer para ti essa simplicidade, essa magia do olhar, do estar, do sentir cada momento pelo que é, independentemente do que esteja a acontecer à tua volta. Pois é a forma como lidas com as coisas que faz a diferença. É a forma como te consciencializas do que sentes que te faz estar aqui, aí, onde estejas, com intensidade. Que vivas esses momentos com toda a felicidade que sei que tens agora em ti! Nas últimas semanas, por diversos motivos, tem vindo à conversa, com várias pessoas, as diferentes perspectivas da idade. De como olhávamos os adultos de 25 anos quando tínhamos apenas 5 ou 10, e os achávamos velhos. De como sentíamos os quarentões acabados na idade. De como observávamos os sexagenários como pessoas de uma época longínqua e resistentes ao passar do tempo. Nessas conversas, vinha-me constantemente à memória um poema de Mário Benedetti, que descreve perfeitamente aquilo que senti sobre a idade ao longo do tempo, de como a observo hoje... mas não exactamente como a imagino dentro de mais umas décadas... Sim... sou bem mais optimista e entusiasta em relação à percepção das coisas, e estou curioso sobre a forma como vou encarar a idade dentro de algumas décadas.... Aqui vos deixo esse belíssimo poema...
Há cerca de 30 anos, não sei precisar se em 1985 ou 1986, num trabalho de inglês, foi-nos indicado para escrevermos um texto livre sobre "o que é liberdade". A turma era composta por mais de 20 nacionalidades distintas, de todos os cantos do mundo. Foi uma experiência rica em aprendizagens lidar com tantas culturas diferentes ao longo de 3 anos.
Escrevi um texto que me pareceu adequado sobre a liberdade. Afinal, eu tinha vindo de um país que acabara de sair de uma ditadura pouco mais de 10 anos antes, com todos os desafios que se viveram nessa época sobre liberdade, impostos, nacionalizações, privatizações, corrupção, pressão social, etc. E eu, na minha inocência e inexperiência de vida, escrevi e expliquei de várias formas o que significava "liberdade" para mim. No final, a professora escolheu um texto. Era um simples, curto, e muito objetivo. Era um texto de um colega de turma, que ela leu e que, após terminar, nos silenciou por alguns momentos. Afinal, o verdadeiro sentido de "liberdade" só podia vir de alguém que efectivamente tinha experienciado a falta dela, pelo apartheid que viveu na África do Sul e por todos os desafios que isso implicou no país onde estávamos a viver naquele momento. Como é que um adolescente de 15 anos, de uma forma tão clara, objetiva e realista, deixa uma mensagem tão forte? Não me recordo exactamente do texto, mas recordo-me da emoção, da empatia que senti com ele naquele momento, e de relembrar o meu sentido de liberdade que me pareceu, naquele instante, tão fútil. Recordei esse momento hoje, ao ver um video sobre esta nova vaga de refugiados. As tuas memórias dependem da forma como percepcionaste a realidade ao longo do tempo. E também de algumas associações que lhes foste juntando ao longo do tempo.
Aa percepção da realidade encontra-se condicionada pelos teus sentidos, pelo teu estado emocional, o teu foco, as tuas crenças, as tuas experiências passadas, e é a partir dessa percepção que crias a tua realidade. Sendo que essa tua realidade é uma mera percepção da mesma, aquilo que se chama de mapa mundo, de que forma é que as tuas memórias correspondem ao que efectivamente aconteceu? Ao invés de te baseares nas tuas memórias como um facto, revivendo emoções que te estejam a prejudicar, observa-as como uma das inúmeras perspectivas da realidade. O que passou, passou... e não está a acontecer agora. O agora é diferente, e é a tua nova oportunidade de fazer e viver de outra forma. Sendo que existem múltiplas perspectivas para a mesma realidade, escolhe aquelas que te tragam aprendizagens e novas formas de lidar com, e melhorar o teu presente, abrindo novas possibilidades para o teu futuro. Lembra-te que o que aconteceu não é o que tu és. O que aconteceu foi apenas isso mesmo, um acontecimento. Mau ou bom, doloroso ou alegre, vê-lo agora com novas perspectivas muda a forma como te sentes agora em relação ao que aconteceu, ajudando-te a descobrir novas forças e a gerar novas escolhas para agir agora com maior consciência! Todas as histórias são uma construção criativa. Até as memórias!
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