Hoje, em conversa com 40 alunos de uma escola profissional, estava a falar de que mesmo quando fazemos o que nos apaixona, surgem tarefas de que não gostamos. Como exemplo falei de uma das minhas paixões - CrossFit - para não voltar a referir a formação e o Coaching que já tinha dado de exemplos noutras referências. Foi hoje! Também foi hoje que aconteceu algo que detesto no Crossfit - "rebentar" as mãos. E desta vez foram logo as duas. Até parece de propósito 😉 E continua a ser uma das minhas paixões. Amanhã há mais 👌🏼 . A vida é muita vezes como o bolo alimentar. Agarramo-nos a ideias e crenças e desejos e mastigamos sem fim. Mastigamos e quebramos em partes mais pequenas, em papa. E em vez de darmos seguimento, continuamos a mastigar. As coisas perdem sabor, perdem cor, perdem cheiro, perdem forma... e tornam-se desagradáveis. Mas continuamos a mastigar, como se isso fosse obrigatório. Como se isso fosse o que deveria ser. Mastigamos porque não queremos engolir. Não cuspimos porque achamos errado, feio, desrespeitador... ou porque de alguma forma nos incutiram que isso é desistir, e desistir nunca! Estamos num impasse. Não cuspimos nem engolimos. E então mastigamos. E por vezes mastigamos durante anos, décadas... Por vezes torna-se normal, um costume, parte da vida. Mas não é. Estamos apenas a manter uma coisa que não queremos ou temos medo de assumir ou de saborear. E continuamos a mastigar. Sabemos, no nosso íntimo, que ao continuarmos a mastigar estamos a adiar o inevitável, a negar um processo, a negarmos-nos a nós próprios. E continuamos a mastigar. Não engolimos porque não queremos, porque temos medo, porque não sabemos como será depois. E se fizer mal? E se fizer bem? E o que mastigamos depois disto? Será pior? Será melhor? Não cuspimos porque já trincámos, e deitar fora é feio. Achamos errado. Achamos que é desistir. Achamos que é dar um passo atrás. Achamos que é contradizer o que antes achamos certo. O medo impede-nos de avançar. O erro impede-nos de avançar. E mais importante que engolir e descobrir, mais importante que cuspir e seguir em frente, é desistirmos de nós mesmos, da nossa capacidade de saborear a vida, de viver cada momento com intensidade, com todos os sabores e aromas e cores. E mastigamos este bolo alimentar sem sabor, sem cheiro, sem cor. Porque isso é mais importante, não é? A primavera chegara. O céu mostrava-se num azul cada vez mais azul. Os prados enchiam-se de verde mais verde e as primeiras cores da primavera começavam a despontar. Ao longe, avistavam-se as ultimas nuvens de inverno, agora brancas como algodão doce, a despedirem-se alegres do paraíso que terminaram de banhar, dando lugar ao sol e à multiplicidade de cores vivas que lhes seguiam todos os anos. Os pássaros voavam e cantavam de contentes. Os insectos passeavam alegres.
Os abelhudos iniciavam a sua atarefada e feliz época de colecta do pólen e produção de mel. O abelhudo e a sua abelhuda predilecta. A abelhuda e o seu abelhudo predilecto. Assim era todos os anos. Uma época colorida, repleta de vida, alegria e cheia de aromas doces e agradáveis. Porém, algumas nuvens desentenderam-se com o tempo, baralharam-se com o sol e carregaram-se de um cinza escuro mal humorado. Encheram-se de toda a água do mar e dos rios e dos lagos. Ganharam peso e força, e teimaram em ficar. O sol, descontente com a rebeldia dessas nuvens e sem as conseguir demover, pediu ao vento que o ajudasse a correr com elas. Afinal, não era o tempo das nuvens, mas sim o tempo do sol e das cores da primavera. O vento aceitou o desafio e soprou e soprou e soprou com todas as forças que tinha. Mas as nuvens não arredavam pé, e para se fazerem valer e mostrarem a a sua determinação, lançaram raios de luz incandescentes e assombrosos estrondos ensurdecedores. O vento, não dando parte fraca, sopra tão forte que as árvores se arrancaram do chão, as ervas se colaram ao chão e as pedras rebolaram pelos campos. O sol esforça-se por aquecer as nuvens e dissipar a sua água, mas nada parece resultar. Os campos murcham, as cores vivas esvaem-se deixando tons mortos e escuros, e todo o horizonte parece cinzento e desolador, sem qualquer graça. Por mais que o sol diga às nuvens que o seu tempo é no outono e inverno e que esse tempo voltará em breve, que há um tempo certo para todos e que existe um equilíbrio nas quatro estações do ano, as nuvens não se deixam convencer, e aclamam para si todas as estações do ano, todos os tons de cinza e negro, todo o direito aos estrondos, raios e escuridão. E para reforçar a sua determinação, soltam mais estrondos, mais raios incandescentes e adensam a sua presença, bloqueando cada vez mais qualquer claridade que o sol lançasse aos campos que já deixaram de florir. As nuvens não percebiam que para existirem também precisavam de dar lugar ao sol e às cores e aos animais. Pois é com base nesse equilíbrio das nuvens escuras e pesadas cheias de chuva, e do sol colorido e alegre, que faz com que todo o sistema funcione bem, por mais tempo e se torne mais forte. O abelhudo olhava desolado e sem compreender o que se passava. Dando as mãos à abelhuda, protegiam-se os dois debaixo de uma espessa folha de uma árvore, agarrando-se com firmeza a um tronco que resistia ao vento. Olhando os seus corpos, parecia que até as suas faixas amarelas se tornavam cinzentas e desprovidas de vida. Todos os pássaros fugiram e todos os insectos retornaram aos seus casulos. Os abelhudos decidiram não arriscar voar até à sua casa, e esconderam-se num buraco que encontraram na árvore, na expectativa de se protegerem dos ventos fortes, arrasadores, e da ira das nuvens. O vento sopra mais forte, o sol aquece mais alto e as nuvens, determinadas, desmancham-se num dilúvio. Os campos ficam alagados, as terras movem-se com as correntes e apenas se salvam os cumes dos montes. É então que o sol se lembra que se tinha esquecido de lançar o arco-íris da primavera, com o esplendor de todas as suas cores. E assim, o sol lança o arco-íris. Esse arco-íris, na presença das carregadas nuvens, forma a mais bela e atraente paleta de cores jamais vista. E as nuvens, vendo o arco-íris que com elas se produziu, ficam hipnotizadas pela sua beleza. As nuvens rendem-se à beleza do arco-íris de que elas próprias faziam parte, e afastam-se contentes em direcção ao horizonte. Os primeiros raios de sol despontam sobre os campos e o vento acalma as suas investidas. As nuvens, aos poucos, desaparecem. As águas escorreram para o mar, levando consigo algumas árvores e pedras pelo caminho, e deixando atrás de si as marcas da batalha do tempo fora do seu tempo. Primeiro um, depois mais alguns, vão aparecendo os pássaros e os insectos. O abelhudo e a abelhuda espreitam lá fora e sorriem perante o que os espera. O céu voltara a ser azul, os campos começavam a verdejar, e as primeiras cores a despontar. Em pouco tempo, os prados estavam repletos de um fundo verde vivo, muito bonito, pintado de todas as cores do arco-íris, que se deixou cair como um manto sobre os campos. Os abelhudos iniciam assim a sua colecta de pólen e produção do tão delicioso mel. Ambos sorriem com o sol, com o verde colorido, as flores a dançar e os pássaros a cantar. O tempo voltara a ter o seu lugar certo. E mais tarde apareceria o verão, depois o outono e, por fim, voltariam as nuvens carregadas de cinzento para o inverno, mas desta vez no seu tempo certo, como sempre, e para que todo o sistema viva em equilíbrio e se torne cada vez mais forte. Agora, é tempo de viver todas as cores do universo. ~ Sérgio Rito, 28 de Dezembro de 2013 (baseado num sonho de 26 para 27 de Dezembro) Por vezes escrevo. Um texto num dia. Outro texto uns meses depois. Outras vezes escrevo com frequência. Não escrevo todos os dias, mas bem podia fazê-lo. Parece que me sinto mais inspirado em dois estados bem distintos. Ou na depressão, não extrema, ou na paixão. Mas é claramente a depressão que mais facilmente me leva a pegar na esferográfica e no papel, mesmo que rasgado do tampo de uma mesa de restaurante num apressado almoço de semana. Agora é mais com recurso ao teclado virtual do telemóvel. Tão virtual como parecem ser cada vez mais as nossas vidas. Mas estava eu aqui a pensar que escrevo para expor as minhas ideias, os meus sentimentos, as minhas queixas, histórias e desejos. Por vezes, as minhas paixões. E é bom escrever. Uma das vantagens é o desabafo. Sabe bem desabafar. Deitar cá para fora. É certo que ninguém responde. Mas num desabafo, isso é somenos importante. E no final, se precisares de um abraço ou uma palavra amiga, contacta aquela pessoa que tu sabes. Assim ela não perde tempo e centra-se no essencial - dar-te apoio. Outra vantagem é a retrospectiva. E neste caso quero salientar dois tempos: o imediato e o longo prazo. No imediato consegue-se, muitas vezes, uma nova perspectiva. Uma outra forma de olhar que magicamente confere clareza. E nessa clareza surgem novas ideias, abordagens e possibilidades. É um processo interessante. Recordo-me agora de um momento em que me encontrava desesperado. O coração batia a mil, a respiração estava curta e rápida, e só pensava num limitado leque de negros cenários, num desfecho que avaliei como terrível. Pior, é que estava prestes a estar acompanhado por alguém com quem não queria, de todo, partilhar aquele desespero. E na aparente impotência de alterar o estado, de encontrar cenários alternativos, escrevi rapidamente a quatro amigos especiais. Assim que conclui o longo texto com o que estava a passar e a sentir, decidi reler. Afinal estava num estado alterado e a velocidade com que escrevi dava aso a erros e mensagens ininteligiveis. Ao reler, cheguei ao fim com um "E??!?..." O insight foi incrível. Não havia problema. Tudo se conciliou perfeitamente. O problema foi demasiado foco num único desfecho hipotético ao ponto de não ver mais nada. A respiração acalmou e tornou-se mais profunda. O ritmo cardíaco voltou ao normal. O sorriso voltou. E tudo ficou bem. Apaguei a longa mensagem e escrevi apenas "Obrigado por estarem aí." Fazer uma retrospectiva requer uma análise, e uma análise requer algum distanciamento. É este distanciamento que permite novas abordagens, por proporcionar uma alargada observação de um todo. E é nestas novas abordagens que se encontram novas possibilidades. A retrospectiva no tempo tem também vantagens. Observar as nossas ideias e sentimentos ao longo do tempo ajuda-nos de várias formas. Pode ser no reencontro com as nossas intenções, os nossos sonhos e vontades. Pode ser na perspectiva da nossa evolução pessoal. Pode ser na consistência de certos valores. Pode ser na observação de que já ultrapassamos tantas situações nas nossas vidas, que esta é apenas mais uma a acrescentar força, experiência e conhecimento, mesmo que possa não parecer nalgum momento em particular. A retrospectiva ajuda-nos também no nosso reconhecimento, na conexão connosco e na observação dos processos que podemos manter, melhorar ou alterar. E por vezes, é também extremamente divertido. Escrever... em cadernos físicos ou digitais, privados ou públicos, é uma forma de contactar-nos com a nossa essência. Por vezes é quase como meditar, só que fica registado para memória futura. Para as retrospectivas da vida. Para a nossa própria evolução pessoal. O que escreves agora? As certezas que pensas ter são muitas vezes apenas histórinhas na tua cabeça.
Na minha também! Nos meus treinos de Crossfit, fui um dia surpreendido com o seguinte plano de treinos para esse dia:
Se queres saber o que isto pode significar em termos físicos, experimenta fazer 100 burpees no menor tempo possível. Como sempre... desafio é desafio, e se faz parte do treino, vamos a isso! Sendo que cheguei em cima da hora de inicio, tive pouco tempo para pensar numa estratégia. Rapidamente fiz contas com base na minha experiência dos 100 burpees (na altura, 6'02") e dos 200 burpees (não me recordo o tempo que tinha) e concluí que talvez conseguisse fazer uma média de 12 a 13 burpees por minuto. Isto daria para ultrapassar os 500 burpees, o que me pareceu muito satisfatório como objectivo. Como tenho tendência a desacelerar no final pelo cansaço, achei por bem começar com uma média superior para poder terminar com uma medias mais baixas, e assim manter-me acima dos 500 burpees totais. No inicio, fazer 14 ou 15 burpees por minuto parecia fácil e aborrecido. Então decidi aproveitar e acelerar um pouco o passo, e assim construí uma boa média. E manter a média? Ao fim de 20 minutos estava exausto. Nesse momento, o número de burpees por minuto oscilava entre os 5 ou 7 e os 10 ou 12, e ainda faltavam 25 minutos para terminar o desafio! Passado mais algum tempo, comecei a parar um ou outro minuto isolado para recuperar de forma a conseguir chegar ao fim... vivo. Os músculos não respondiam bem e os pulmões davam sinais de receber pouco oxigénio. E a contagem, como se fazia? A forma de manter a contagem actualizada era por meio de escrita no chão, com giz. No meu caso, ía escrevendo o número de burpees que fazia a cada minuto. 18, 12, 15, 14, 17.... 6, 8, 7, 11, 9... Nos momentos de paragem para recuperar, aproveitava e somava alguns dos valores (sub-totais). Era eu no meio, e uma panóplia de números e sub-totais num raio de 1 metro. Era lindo! Ao fim de 30 minutos tinha o chão à minha volta cheio de números, com os respectivos sub-totais bem identificados. Aos 35 minutos, completamente exausto e com mais vontade de desistir que continuar, decidi parar e fazer uma soma de cabeça dos sub-totais que tinha apurado ao longo do tempo. Desistir ou continuar? Decidir sob cansaço (quase) extremo é... Escusado será dizer que o discernimento já não é o mesmo. E concluída a soma, e observando o tempo remanescente, concluí que os 500 burpees estavam fora de questão. Decidi continuar apesar de tudo, mas como já não chegava ao objectivo, decidi abrandar o ritmo. O cansaço era muito e a dificuldade em respirar aumentava. Parei mais alguns minutos isoladamente, e a média de burpees nos minutos de actividade manteve-se entre os 6 e os 10. Finalmente os 45 minutos. O desafio estava concluído. Este é o momento de paragem e de recuperar o fôlego, dando ao corpo o merecido descanso, mas apenas por 2 ou 3 minutos. Era também o momento de congratular os colegas, dar aquele ânimo de recuperação e esforço bem aplicado, de voltar a pegar no giz e fazer a Grande Soma. E eis que, ao somar tudo o resultado deu... ...isso mesmo... 499 burpees!!! Manter o discernimento sob cansaço é desafiante! Eu tinha-me enganado na contagem dos sub-totais. Algo que entretanto já testei em diversas situações de cansaço (quase) extremo e cujos resultados são normalmente "desastrosos". Somar 17 a 35 e concluir a quantos faltam para 100, por exemplo, parece tarefa de génio, e isto mantendo a coerência da contagem e dos movimentos técnicos. Afinal, eu até estava a bom ritmo e podia inclusivamente ultrapassar os 500 burpees. Refiz as contas mais 2 vezes para ter a certeza. Mal queria acreditar. Deixei-me levar por um erro de cálculo e assim não atingi o meu objectivo. Pessoalmente, isto é o equivalente ao provérbio popular "Até ao lavar dos cestos é vindima." sendo que o povo foi mais sábio que eu ao resumir toda esta experiência em apenas 7 palavras. Moral da história: Se estás num desafio, e se o assumes até ao fim, segue mesmo até ao fim! No matter what! Agarra o teu desafio, e enquanto este fizer sentido para ti, mantém-te fiel à tua decisão independentemente das circunstâncias. Quem sabe, podes ter uma surpresa agradável no fim do percurso... E mesmo que não atinjas o objectivo, sabes que deste o teu melhor e...
Não voltei a fazer este desafio, simplesmente porque não voltou a surgir nos treinos. Continuo sem tempos para os 200 burpees, mas os 100 burpees baixaram para pouco mais de 5 minutos e os 300 burpees estão nos 21'19". Keep strong! Neste... talvez como em todos, o Natal tem sido sinónimo de muitas e variadas coisas, dependendo das crenças, hábitos, cultura local, contexto...
No nosso meio, é muitas vezes conotado como a época do frenesim das compras para as prendas de Natal. É curioso ouvir tanta gente dizer que o Natal, na sua essência, não é nada disso, e depois ver as lojas e centros comerciais cheios de gente numa correria às compras com expressões de cansaço e stress, e as árvores de Natal que partilham nas redes sociais estarem rodeadas de dezenas de caixas brilhantemente embrulhadas, com laços de magia e estrelas cintilantes. Neste Natal... talvez como em todos, convido-te a pensares na tua intenção. Qual a intenção, para ti, desta época? O que queres experienciar, sentir, viver? Qual a intenção de cada gesto, cada prenda, cada momento? E nessa intenção, faz aquilo que vai ao encontro da sua realização, da tua realização. Se isso incluir prendas, segue em frente e desfruta livremente desses momentos de partilha. Se isso inclui abraços, sorrisos e proximidade com aqueles que te são importantes, segue em frente e desfruta livremente desses momentos de partilha. O que ver que seja a tua intenção, faz com que aconteça com consciência, com sentido de viveres o que queres viver, e de proporcionar a quem te rodeia a tua liberdade de amar. Boas festas, recheadas de boas intenções - as tuas - e boas partilhas :) Sempre observo aquela árvore da minha janela.. À noite, especialmente.
Todo o campo relvado se encontra iluminado, transferindo à verde relva uma tranquilidade hipnotizante. E aquela árvore, no meio de outras tantas, meio esguia e escura, contrasta com a luz que a ilumina do outro lado de lá, como se a empurrasse para cá. O contraste impressiona, e a sua inclinação, quase deitada sobre a relva, como que cansada de um dia árduo de trabalho, da vida dura do dia-a-dia, dos reveses e das frustrações, do carrossel das rotinas, dos deveres e das obrigações, ignorada por quem passa, parece antecipar o dia em que deixará para trás, naquela luz que empurra, para, enfim, todos os seus sonhos em terra e, enfim, descansar em paz. Dá vontade de lá ir, abraça-la e suspirar-lhe ao ouvido - "está tudo bem, descansa." Mas as árvores não ouvem. Apenas resistem, até ao dia que quebram de tão forte o vento, o empurrão. Até aqui, ela permanece. Todos os dias a vejo, de manhã com um ar mais fraco, ainda que vergada sobre a relva, como se a beijasse de bons dias para um novo dia afinal igual aos outros. E de noite, naquele seu semblante aparentemente forte, sim, aparentemente, lá está quase a desfalecer sobre a relva. Meio caída, quase que a implorar misericórdia numa vénia mais disfarçada. Porque tudo é uma mera aparência. Fortes. Fracos. Apenas parecem. Pois dadas as motivações certas, os fortes viram fracos. E dadas as motivações certas, os fracos foram fortes. Dadas as motivações certas! Como se numa balança de mercearia colocássemos meio quilograma de vontade num prato, e no outro uma mão cheia de pregos, lixas e uma marreta. E dói, andar com pegos, lixas e marretas todo o dia. Dói mais que a vontade. Mas a árvore permanece. Forte. Aparentemente forte. A relva, por outro lado, aparenta delicadeza. Uma aparente fraqueza que a tudo verga, ondula e dobra. Pisada uma e outra vez pelas crianças que nela brincam e os crescidos que sobre ela corem atrás de uma bola,. E nunca se deixa ir. Nunca.. É apenas uma aparente fraqueza. A árvore, lá está. Firme. Aparentemente forte. Talvez um dia quebre também, num dia forte de vento, como a sua irmã. A relva, essa, permanecerá, aparentemente fraca, delicada, mas forte. Hoje cruzei-me, mais uma vez, com um cliente habitual de uma pastelaria onde costumo comprar uma broa deliciosa. Ele, que é obeso, costuma lá estar quase sempre que lá vou. E se vou a dias incertos e horas variadas, parece tratar-se de um cliente muito frequente, merecedor de um cartão dourado como aqueles das companhias aéreas.
Estava sentado, a conversar com outro cliente como costume, e a comer o que me pareceu um pão-de-leite ou croissant, aparentemente com manteiga e fiambre. Puxando pela memória, sempre que o vejo está a comer algo deste género O meu pensamento na altura foi de julgamento. Não propriamente um julgamento maldoso, mas algo do estilo "Como não havia de estar obeso, se sempre que o vejo está a comer pão ou bolos?" Logo de seguida uma voz interior se fez ouvir, perguntando: "Mas como sabes que ele se sente mal como está? Como sabes que ele quer não estar obeso? E o que há de errado com isso? E se ele se sentir muito bem assim? E se deixar de comer o que come para ficar em melhor forma for, para ele, pior que manter-se obeso e entregar-se aos seus prazeres gastronómicos? E que julgamentos poderão outras pessoas fazer de ti. sobre alguns dos teus comportamentos, sem ter em conta toda a tua 'realidade', como estás a fazer em relação àquele cliente?" Nesse instante comecei a sorrir e a pensar de onde teria vindo aquela necessidade de julgar. E de que me serviria esse julgamento. Afinal, aquele julgamento só considerou a minha perspectiva daquilo a que posso chamar de realidade, com base em pressupostos fictícios, tornando assim o julgamento numa perfeita alucinação. É um julgamento que não serve ninguém, nem a mim, nem aquela pessoa. E se a minha intenção fosse ajuda-lo de alguma forma, a primeira coisa a fazer seria conhecer os seus desafios, e eu não conheço os seus desafios. O que observei depois foi esse mesmo cliente a conversar com a pessoa da mesa ao lado. As expressões de ambos, olhos nos olhos, os gestos ondulados e a ligeira inclinação dos corpos na direcção um do outro, transmitiu-me serenidade e harmonia. Parecia-me, também, que ele se estava a deliciar com o pedaço de comida que segurava numa das mãos, pela forma como parecia segurar delicadamente no último pedaço. É apenas uma interpretação, seu sei. E toda esta observação fez-me sorrir de satisfação. Fez-me sentir bem ver duas pessoas em aparente harmonia. É curioso o que podemos observar quando deixamos de julgar, focando a nossa atenção no que está a acontecer e não naquilo que julgamos estar a acontecer. Colocando o nosso foco naquilo que efectivamente está à vista em vez do que alucinamos poder estar a acontecer. Deixar de observar os outros de acordo com os nossos princípios, os nossos valores e intenções, e deixa-las estar de acordo com os seus próprios princípios, valores e intenções. E quem sabe... talvez assim ainda nos arrisquemos a descobrir magia ao virar da esquina... - "O que tenho de fazer para ganhar?" - perguntou o jovem Fernando de forma determinada.
- "Não sei. Honestamente... não sei." - respondeu o Mestre Oleiro sem dar grande importância ao assunto. Depois parou, observou o Fernando como que perscrutando a sua alma. Voltou tranquilamente a sua atenção à tarefa que tinha em mãos, as mãos que sentiam o barro, não a moldá-lo, mas a sentir a sua textura, a sua forma. O seu olhar era tranquilo mas atento, como se observasse cada milímetro do barro, sentisse cada grão, cheirasse cada aroma daquela húmida mistura. Havia nele um ar de sábio, ou talvez fosse das suas barbas brancas e longas, perfeitamente penteadas. Por fim, acrescentou - "Sei o seguinte... se não te entregas, se não te empenhas no que decides fazer, se não estás na disposição de assumir o preço daquilo que queres fazer... só por mera sorte ou acaso poderás sentir algo semelhante a sucesso. E ainda assim, tenho dúvidas. Mas se ao invés disso te entregares à experiência, à tua descoberta do que queres fazer e de como o queres fazer, se te empenhares e assumires o custo do que queres fazer... então a tua probabilidade de sucesso aumenta drasticamente. Aliás, diria até que o teu sucesso está praticamente garantido, seja qual for o desfecho." - "Espera lá... eu não perguntei pelo sucesso. Perguntei por uma qualquer fórmula mágica de ganhar! Tu sabes, já ganhaste imensas coisas. Como se faz?" - retorquiu de imediato Fernando. O Mestre Oleiro não respondeu, mantendo a sua atenção na peça que parecia moldar-se nas suas mãos fortes e calejadas. Parecia magia, e o seu semblante mudava nesses momentos de criação como se ausente do espaço e do tempo. O seu método aparentemente simples de transformar um pedaço de barro humedecido numa peça de arte era um mistério que poucos conseguiam compreender, e que muitos apreciavam e glorificavam. Não se tratava de criar uma cópia de algo ou uma simples peça deslumbrante através de técnicas adquiridas ao longo de uma vida de experiências. Era verdadeiramente um mistério como, de simples movimentos de dedos e palmas das mãos, saiam peças de fazer cair os queixos dos seus inúmeros admiradores e especialistas da matéria. Fernando pensou por uns instantes, enquanto observava pela enésima vez aqueles movimentos indecifráveis. Era como se o hipnotizassem até ao momento de revelação final, em que a peça de arte se decide mostrar ao mundo. Mas rapidamente voltou ao seu raciocínio, e ganhar era,o seu objectivo mais importante. Precisava de ser o número um. Sair vitorioso da sua senda. Ganhar dava-lhe acesso a oportunidades que queria explorar no seu percurso. Sucesso, por outro lado, parecia-lhe ser apenas a consequência natural da vitória. Sem ganhar, não há sucesso. O Mestre Oleiro parou uns instantes, como que a dar tempo para a sua peça se revelar. Fernando pareceu acordar dos seus pensamentos e desviou o olhar para o mestre - "Que peça está a fazer, desta vez?" O Mestre Oleiro respirou fundo, com a sua habitual tranquilidade, e mantendo o olhar no barro exclamou - "Ainda não sei. Estou à espera que o barro me revele o que quer ser. Se for eu a decidir, será apenas mais um entre tantos iguais. Mas se eu respeitar a sua essência, será uma peça única, absolutamente bela na sua forma, seja ela qual for, seja qual for o seu destino." Para Fernando nada disto fazia sentido. Já desconfiava da sanidade do mestre, e agora começava a ter a certeza de que ele não batia bem. Virou costas com um curto "até já" e dirigiu-se para a porta, hesitante, olhando o chão. Tinha esperanças que o mestre o soubesse orientar, dar um conselho, dizer o que fazer para ganhar o seu desafio. Quando chegou à porta parou, olhou para o mestre e perguntou - "O que eu quero é ganhar. Por que me fala em sucesso?" Do mestre sairam palavras arrastadas num tom grave e pouco audível - "Ah... ganhar. Isso." - mantendo a sua atenção no barro. Respirou fundo mais uma vez, na sua habitual tranquilidade, olhou directamente para Fernando com o poder do seu olhar profundo, e apontando o dedo retorquiu - "O que ganhas tu se te sentires bem sucedido?" "Todas as coisas que vivem neste mundo morrem. É por isso que deves encontrar alegria na vida, enquanto o tempo é teu, e não temer o fim.
Negar isso é negar a vida. Mas, abraça-la... Consegues abraça-la?" ~ Titan in "I Kill Giants" A mente tem aquela genial capacidade de criar problemas, fazendo-nos crer que são reais, e depois encontrar soluções para os problemas que criou, apenas para justificar a sua majestosa existência.
Tão mais extraordinário seria simplesmente aproveitar o momento tal como é. Mark Twain escreveu um dia a seguinte frase, mais tarde popularizada por Winston Churchill: - "Vivi uma vida longa e passei por muitos problemas, muitos dos quais nunca aconteceram.." Verdi era um génio!
Mas isso agora não interessa nada. Nunca liguei muito às histórias que as óperas representam, com algumas excepções. Quando a minha curiosidade me leva a procurar a história de uma ópera, algo acontece à forma como passo a ouvir e a sentir as vozes, os coros, as melodias instrumentais, os silêncios... e normalmente prefiro a magia antes sentida. Aquela que cria imagens e enredos na minha imaginação, somente pelos sons captados. Então, passo por um período de "esquecimento", até retornar a um estado semelhante ao inicial. Mas nunca é igual. Mesmo que nunca chegue a saber da história. Ao longo do tempo, e a cada momento, a percepção muda, e assim os sentimentos. É mais ou menos como em outras coisas do dia-a-dia... nunca é igual, e será sempre uma primeira vez... Problemas... todos os temos e todos os sentimos de formas mais ou menos semelhantes, independentemente das circunstâncias.
Uns são mais intensos que outros, uns com maior e outros com menor impacto directo nas nossas vidas. Muitos são meramente alucinados, e nunca chegam a acontecer. Outros, estão mesmo a acontecer, e desses alguns causam grandes mudanças nas nossas vidas... e outros nem por isso. Alguns problemas chegam até a ser irrelevantes, ao ponto de, depois de ultrapassados, nos rirmos do seu ridículo e da aprendizagem que nos proporcionaram. Alguns chegam a ser mesmo duros, e oferecem-nos as grandes aprendizagens e oportunidades de crescimento. Problemas... todos os temos e todos os sentimos com diferentes intensidades. A verdadeira diferença, é como os abordamos, como lidamos com essas situações que, nalguns casos, provocam profundas mudanças nas nossas vidas. Mas não era nada disto que eu queria dizer! O que eu queria dizer era simplesmente que... ...a importância dos teus problemas é directamente proporcional à energia que lhes dás. Talvez seja o mesmo que dizer que a importância dos teus desafios e aprendizagens é directamente proporcional à energia que lhes dás. Ou seja, que coloques boas energias naquilo que é verdadeiramente importante para ti. E lembra-te que, de uma perspectiva universal, os teus problemas são apenas... cenas. Por isso, trata-as com a ligeireza adequada, e dedica-te aos teus verdadeiros desafios... ...e desfruta! Desfruta as oportunidades que tens. Escolhe aquilo que faz sentido para ti, independentemente das opiniões e circunstâncias. Faz com que seja o teu momento, com tudo a que tenhas direito. Torna este momento significativo para ti. Ao juntarmos as primeiras peças de um puzzle, ficamos com uma ideia da visão global da cena.
E depois surge aquela peça que muda toda a visão! Em tempos idos, houve um homem astuto, criativo e de inteligência acima do comum, que ambicionava ter uma determinada relíquia preciosa na sua posse. Essa relíquia era comercialmente valiosa, mas o seu valor real para esse homem era unicamente egocêntrica. Conseguir aquele vaso revelaria a sua extraordinária capacidade de superar o impossível!
Essa peça, um vaso muito antigo e raro, encontrava-se num museu, cuidadosamente guardado por sistemas de segurança de ultima geração e vigilância permanente. O homem, sendo astuto, criativo e extremamente inteligente, desenhou um plano infalível durante anos, com o intuito de obter a sua relíquia. Todo o seu foco se centrava na obtenção daquela peça rara e única. No dia e hora marcados no calendário, pôs o seu plano em marcha, com todos os detalhes cuidadosamente estudados e planeados, e nunca mais se ouviu falar nesse indivíduo. Desapareceu, misteriosamente. Um amigo especial, que sabia da sua ambição, sorriu, pela concretização da façanha do seu amigo, imaginando-o numa ilha tropical a gozar da sua relíquia em antecipada reforma. Anos mais tarde, numa remodelação de parte do museu, foi encontrado o homem astuto, entalado entre duas paredes e agarrado ao vaso. Por vezes observo nas pessoas uma dedicação quase obsessiva no ter de fazer. "Tenho de fazer isto", "tenho de fazer aquilo", "tenho de conseguir"... e quando questionadas sobre o motivo que as leva a "ter de" fazer, os olhares são normalmente de quase indignação, como se quem pergunta pelo motivo não perceba a realidade da vida. E respondem algo como "Então... não tem de ser assim?", sem qualquer motivação associada. Tem de ser, e pronto. É suposto. Faz parte.
Talvez lutemos demais pelas coisas que achamos que temos de fazer, que temos de ter, que temos de conseguir ou até ser... quando na verdade poderíamos simplesmente querer. É que, quando descobrimos o que realmente queremos, a luta transforma-se em fluidez, e o sentido de obrigação num sentimento de naturalidade e vontade própria. Uma da questões com que me tenho deparado ultimamente é a necessidade de mudança por parte de algumas pessoas. E quando a mudança se dá por necessidade, eu desconfio. A mudança parece trazer, para os casos com que me deparei, um novo começo. Até aqui, tudo bem. Mudar é bom, e faz parte da nossa realidade. Já Heráclito de Éfeso afirmava "A única constante é a mudança". Mas há uma questão a observar... ...o que verdadeiramente te motiva a fazer essa mudança em concreto? E refiro-me à grande mudança ta tua vida. Aquela com que pretendes mudar tudo do avesso e "recomeçar do zero". O que tenho observado é que existem essencialmente dois motivos - a fuga de algo ou a busca de algo. Antes de mais, quero deixar claro uma coisa: qualquer dos motivos me parece bem, desde que tenhas a consciência do que te move. É quando não tens essa consciência que podes estar a criar um potencial transtorno no teu caminho. Ora vejamos... o que tenho observado com alguma regularidade é a fuga da dor. Parece-me lógico mudar por este motivo. Ou seja, se estou sentado num banco que tem um prego espetado para cima, continuar sentado com ele fortemente espetado no traseiro só parece ser sinal de auto-punição ou masoquismo. É certo que podem existir outros motivos. Por exemplo, a dor de lidar com o desconhecido (a mudança para algo novo) pode ser superior à dor causada pelo prego, mas vamos manter as coisas simples. A um certo nível, a pessoa tem a noção de que está a fugir de algo em concreto, e que esse algo lhe é desconfortável ou indesejável. Mas pode não estar inteiramente consciente da essência dessa fuga. Diz que foge porque não se sente reconhecida (as pessoas não a entendem ou não reconhecem o seu valor), porque as condições financeiras são péssimas (pagam mal, o país está em crise, lá fora pagam melhor, existem condições mais favoráveis lá fora), e o rol de razões pode-se estender por aí fora. Mais uma vez, está tudo bem. Diria até que, se consideras que te vais sentir melhor noutro lugar ou a fazer outra coisa ou em estares com pessoas diferentes... força! Dá-lhe gás! Vai! Segue aquilo em que acreditas. A questão é a seguinte: estás a lidar com a essência do que te move? Mudares para fugir de algo sem teres a sua essência em conta pode simplesmente significar que levas o problema contigo, para onde quer que vás. Nos primeiros tempos vai ser tudo bonito. É aquele estado de graça inicial em que nos deslumbramos com tudo. Mas findo esse período, voltamos ao mesmo. Os mesmos problemas vão surgir, e vais lidar novamente com as mesmas questões. Nalguns casos, essa mudança pode ser suficiente para lidares com essas mesmas questões de uma perspectiva diferente, e isso pode ser positivo e ajudar-te a solucionar as tuas cenas de uma forma mais objectiva.. Ou seja, não é obrigatório resolveres as tuas cenas antes de mudares para que a mudança ocorra de forma limpa e fluída. E, se no sitio onde estás, sentes que não consegues mesmo resolver as tuas cenas, muda! O que te recomendo a considerar é que, muito provavelmente, as cenas que não resolveres vão contigo, para onde quer que vás, em que situação fores, e que aqui ou lá vais mesmo lidar com elas de alguma forma. Estas questão são normalmente como a nossa própria sombra. Por mais que andemos ou corramos, a sombra está sempre lá ao nosso lado. E o outro motivo? Ah... sim! A busca de algo... A busca parece, à partida, a forma mais fluída de se mudar. Ou seja, não se está a mudar para se fugir a um problema percepcionado, mas sim na busca de algo que se projecta ser diferente ou melhor, e que se prevê nos seja benéfico ou prazeroso. Aqui o cuidado é outro. Não estamos propriamente a levar uma questão mal resolvida connosco, mas podemos estar a descurar algo que já temos, sem estamos a dar conta disso. Por outras palavras, algumas pessoas passam a vida na busca daquilo que já têm e não sabem que o têm, simplesmente porque não observam atentamente o seu contexto ou a sua realidade devidamente. E então nestes casos, é errado mudar? De todo! Tal como no caso anterior, se aqui não estás a conseguir perceber o bem que já tens, talvez a mudança te ajude a ganhar consciência disso mesmo. Por vezes, a perda leva-nos a valorizar o que temos. A estrutura é semelhante. Ou seja, observa atentamente aquilo que te move. Muitas vezes, aquilo que julgas que te move é apenas uma máscara, um disfarce do que verdadeiramente se encontra escondido. E ao conseguires acesso a esse motivo, o que, nalguns casos, pode exigir de ti uma enorme capacidade de frontalidade de ti para ti, estarás em melhor posição para decidires se essa mudança é, ou não, a mudança que queres realmente fazer na tua vida.
Que mudes pelos teus melhores motivos. E que em toda e qualquer mudança, seja ela por que motivo for, consigas encontrar pelo menos uma experiência e uma aprendizagem que tornem o teu caminho mais rico e a tua vida colorida. O instinto de sobrevivência e de propagação da espécie revela-se a vários níveis... e hoje em dia, quando a nossa espécie só enfrenta um único perigo - a si própria - esse instinto revela-se nas mais inusitadas situações. O instinto da propagação da espécie não é racional. Esse instinto encontra-se gravado nos programas mais profundos e primitivos da nossa inconsciência. E a forma de actuação é através da procriação num nível elementar, criando assim condições para a propagação do colectivo. Ou seja, não se trata propriamente de uma ação social concertada, mesmo que a um nível inconsciente, mas sim de uma procriação de cada elemento da espécie como forma de prolongar a espécie num todo. Claro que, tratando-se de uma espécie de hábitos sociais - a união faz a força - a um nível pouco alargado esse instinto pode ir além do seu próprio ser, mas normalmente restrito a um pequeno grupo de indivíduos ou tribo (nos dias de hoje, a família ou um grupo social intimamente interligado ou, nalguns casos, a um nível de identificação mais lato como localidade, nação, raça, religião, etc.). Nos primórdios do nosso desenvolvimento, a sobrevivência da espécie dependia do acasalamento e procriação para dar continuidade à espécie. Para que isso se verificasse, eram seleccionados apenas os mais aptos que oferecessem as melhores oportunidades de sobrevivência. Portanto, apenas os indivíduos que, de alguma forma, demonstrassem capacidades ou características de aptidão eram "escolhidos" para acasalar e... bem, já sabemos o resto da história. Para que isso acontecesse, o instinto guia-nos através das nossas emoções. E através dessas emoções somos levados a agir de determinada forma, quer na demonstração de aptidão, quer no cuidado e protecção da descendência. Por outras palavras, a capacidade de defender de predadores, caçar para obter alimentos, cuidar para criar descendentes mais fortes e saudáveis. E para isso seriam necessárias estratégias de longo prazo, e então desenvolveram-se também emoções associadas à pertença, ao amor... Hoje, esses instintos permanecem válidos, mas a sua aplicação é normalmente inadequada. Os contextos são muito diferentes daqueles onde a espécie se desenvolveu e cunhou os seus programas de sobrevivência. Não existe propriamente o risco de não conseguirmos propagar a espécie. Muito pelo contrário, corremos o risco de sabotarmos essa mesma existência através da sobre-população, pelo menos considerando os actuais hábitos de produção e de consumo. Então, essas estratégias revelam-se nas mais caricatas das situações, algumas com impactos pessoais ou sociais consideráveis. Por exemplo, se a pessoa A compra um carro maior, o vizinho sente a necessidade de comprar um igual ou maior ainda. Se o grupo A têm acesso a uma educação melhor, mesmo que com recurso a um método eticamente questionável, o grupo B mais tarde ou mais cedo acaba por querer adoptar um método semelhante, mesmo sabendo que o método carrega consigo riscos a longo prazo. A razão é muito simples, se o grupo A conseguir, de um momento para o outro, criar uma geração de pessoas mais capazes, então a sobrevivência do grupo B fica em risco. Estas competições verificam-se a todos os níveis, desde o desporto ao sentido de nacionalidade, raça ou religião, e podíamos continuar por aqui fora. Em último caso, de família para família. As sociedades de hoje tornaram-se de tal forma complexas, que a aplicação destas estratégias de sobrevivência se confundem em todo o tipo de situações, em contextos que pouco ou nada se encontram relacionados com a sobrevivência e propagação da espécie. Mas os instintos estão lá, e os princípios são invariavelmente os mesmos.
Os comportamentos aparentemente estranhos, quando observados à luz dos nossos instintos mais primitivos fazem todo sentido. As emoções que guiam-nos e orientam-nos a objectivos concretos mas muito inconscientes. E hoje os predadores não são reais, e essas estratégias de sobrevivência acabam por se verificar inadequadas à maioria dos contextos actuais. Talvez seja uma boa ideia questionarmo-nos sobre alguns dos nossos comportamentos, o que temos a ganhar com eles, o que temos a perder com eles, nos diferentes contextos em que se verificam. E a partir desse ponto, talvez possamos criar uma nova estratégia... a de viver no lugar da sobreviver. É que para viver, podemos usar algumas das mesmas estratégias, mas com uma intenção muito diferente e mais ecológica. E talvez dessa forma, com recurso às mesmas estratégias e emoções agora direccionadas a algo mais ecológico, possamos criar uma forma de viver mais agradável e com um sentido mais profundo. Claro que esta publicação peca pela sua abordagem simples e superficial, e que os nossos comportamentos vão muito além do simples instinto de sobrevivência. Claro que poderíamos explorar aqui um vasto conjunto de motivos e intenções subtis que nos levam a fazer o que fazemos. Claro que esta publicação é mais uma alucinação sobre as verdadeiras razões do nosso comportamento em geral, como todas as restantes com maior ou menos probabilidade de acerto. Claro que... claro! E qual é o teu instinto de hoje? |
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