É uma frase comum, e convém esclarecer o que é a vida real, a tão mencionada realidade.
Numa conversa sobre desejos, objetivos e estar no presente, ouve a menção de "vida real". A conversa resumia-se a algo género. é bom sonhar, definir objetivos, tornar sonhos em realidade e comparar com os objetivos a concretizar. Só assim se saberá em que ponto se está face aos objetivos definidos. Numa dessas observações falou-se de estar presente no momento, na vida real, e de como isso seria substancialmente melhor que estar permanentemente a viver algo projectado no futuro como se a felicidade dependente dessa concretização - o almejado objetivo.
À parte dos argumentos e conclusões dessa conversa, a afirmação de que é importante estar na vida real fez-me cócegas no neurónio pensador. "Vida real? E o que é a vida real?"
Imediatamente entrei num debate interior sobre a realidade e o que poderá ser essa vida real. E questionando o meu interlocutor (chamemos-lhe Ícaro para facilitar este texto), este observou:
- "Então? Vida real é isto!" - respondeu Ícaro, abrindo os braços e olhando em redor, como se a resposta fosse óbvia.
- "Isto, o quê?" - questionei novamente, com ar curioso e pensativo.
- "Isto..." - e apontou para o ar, as paredes, o mobiliário e a todas as coisas que nos rodeavam, finalizando com um olhar aberto e atento na minha pessoa.
- "Então... pressuponho que a vida real é... chão, mesa, cadeiras, paredes..."
- "Não..." - interrompendo a minha lista material - "...é isto tudo que está a acontecer. Nós aqui, as coisas, esta conversa, o que estamos a sentir." - E nesta explicação, Ícaro voltava a gesticular de braços abertos olhando a toda a volta e apontando para tudo ao nosso redor.
- "Ah, bom! Muito melhor. Portanto, a vida real são estas coisas físicas e a nossa conversa, o que eu sinto e aquilo que eu alucino que estás a sentir. Certo?"
- "Hummm... sim?" - Um raio de dúvida trespassou Ícaro que o fez desequilibrar.
- "Ok! E se eu só posso alucinar o que estás a sentir, como é que isso se compara à realidade?"
Neste momento deu-se um momento de silêncio, acompanhado de olhares introspectivos por parte de Ícaro (alucinação minha) e nova observação enérgica:
- "A vida real é isto que está a acontecer, coisas físicas e psicológicas, e respeita ao que sentes que está a acontecer agora, incluíndo as tuas alucinações, porque estão a acontecer agora. Isso é a vida real"
- "Hummm... estou a ver. Significa então que temos duas potenciais vidas reais, semelhantes nuns pontos e, eventualmente, radicalmente diferentes noutros?" - retorqui em tom de duvida ao que Ícaro acenou afirmativamente - "E que a minha alucinação, estando a ocorrer agora, também faz parte dessa vida real?" - ao que Ícaro continuava a acenar em concordância, mas desta vez desconfiado sobre o desfecho das minhas observações - "E que uma alucinação sobre o que pode ocorrer num futuro mais ou menos próximo, estanto essa alucinação a ocorrer agora, também pode ser vida real." - e neste momento Ícaro parou de acenar, e decidiu esperar pela minha conclusão, caso houvesse alguma, ao que decidi acrescentar - "Ou seja, uma alucinação sobre o futuro também é vida real."
Deu-se um momento de silêncio e, confesso, até eu estava a começar a ficar simultaneamente intricado e entusiasmado com as possibilidades desta conversa filosófica.
- "Podemos simplificar isto?" - inquiriu Ícaro.
- "Claro que sim. Deixemos as alucinações de lado. Presumo que seja essa a parte mais confusa."
- "Sim... podemos voltar a esse ponto mais tarde."
- "Nesse caso, temos duas potenciais vidas reais, semelhantes nuns pontos e muito diferentes noutros. Era isto?" - e Ícaro acenou afirmativamente com ar mais tranquilo - "Bom... isto é pressupondo que nós somos os únicos aqui a criar 'esta realidade'" - respondi em tom de desafio.
- "Hã?" - a intranquilidade voltara a instalar-se em Ícaro...
- "Isso... nós operamos num nível de consciência, sem ter em conta que poderão existir outros níveis de consciência aqui connosco, com percepções distintas e, como resultado, realidades distintas. Potencialmente temos infinitas versões da vida real a operar em simultâneo. Portanto, o que é a vida real?"
Nesse momento Ícaro inspirou profundamente, expirou com ar de desanimo, olhou-me nos olhos e perguntou:
- "Podemos voltar aos objetivos?"