- "Não sei. Honestamente... não sei." - respondeu o Mestre Oleiro sem dar grande importância ao assunto. Depois parou, observou o Fernando como que perscrutando a sua alma. Voltou tranquilamente a sua atenção à tarefa que tinha em mãos, as mãos que sentiam o barro, não a moldá-lo, mas a sentir a sua textura, a sua forma. O seu olhar era tranquilo mas atento, como se observasse cada milímetro do barro, sentisse cada grão, cheirasse cada aroma daquela húmida mistura. Havia nele um ar de sábio, ou talvez fosse das suas barbas brancas e longas, perfeitamente penteadas. Por fim, acrescentou - "Sei o seguinte... se não te entregas, se não te empenhas no que decides fazer, se não estás na disposição de assumir o preço daquilo que queres fazer... só por mera sorte ou acaso poderás sentir algo semelhante a sucesso. E ainda assim, tenho dúvidas. Mas se ao invés disso te entregares à experiência, à tua descoberta do que queres fazer e de como o queres fazer, se te empenhares e assumires o custo do que queres fazer... então a tua probabilidade de sucesso aumenta drasticamente. Aliás, diria até que o teu sucesso está praticamente garantido, seja qual for o desfecho."
- "Espera lá... eu não perguntei pelo sucesso. Perguntei por uma qualquer fórmula mágica de ganhar! Tu sabes, já ganhaste imensas coisas. Como se faz?" - retorquiu de imediato Fernando.
O Mestre Oleiro não respondeu, mantendo a sua atenção na peça que parecia moldar-se nas suas mãos fortes e calejadas. Parecia magia, e o seu semblante mudava nesses momentos de criação como se ausente do espaço e do tempo. O seu método aparentemente simples de transformar um pedaço de barro humedecido numa peça de arte era um mistério que poucos conseguiam compreender, e que muitos apreciavam e glorificavam. Não se tratava de criar uma cópia de algo ou uma simples peça deslumbrante através de técnicas adquiridas ao longo de uma vida de experiências. Era verdadeiramente um mistério como, de simples movimentos de dedos e palmas das mãos, saiam peças de fazer cair os queixos dos seus inúmeros admiradores e especialistas da matéria.
Fernando pensou por uns instantes, enquanto observava pela enésima vez aqueles movimentos indecifráveis. Era como se o hipnotizassem até ao momento de revelação final, em que a peça de arte se decide mostrar ao mundo. Mas rapidamente voltou ao seu raciocínio, e ganhar era,o seu objectivo mais importante. Precisava de ser o número um. Sair vitorioso da sua senda. Ganhar dava-lhe acesso a oportunidades que queria explorar no seu percurso. Sucesso, por outro lado, parecia-lhe ser apenas a consequência natural da vitória. Sem ganhar, não há sucesso.
O Mestre Oleiro parou uns instantes, como que a dar tempo para a sua peça se revelar. Fernando pareceu acordar dos seus pensamentos e desviou o olhar para o mestre - "Que peça está a fazer, desta vez?" O Mestre Oleiro respirou fundo, com a sua habitual tranquilidade, e mantendo o olhar no barro exclamou - "Ainda não sei. Estou à espera que o barro me revele o que quer ser. Se for eu a decidir, será apenas mais um entre tantos iguais. Mas se eu respeitar a sua essência, será uma peça única, absolutamente bela na sua forma, seja ela qual for, seja qual for o seu destino."
Para Fernando nada disto fazia sentido. Já desconfiava da sanidade do mestre, e agora começava a ter a certeza de que ele não batia bem. Virou costas com um curto "até já" e dirigiu-se para a porta, hesitante, olhando o chão. Tinha esperanças que o mestre o soubesse orientar, dar um conselho, dizer o que fazer para ganhar o seu desafio. Quando chegou à porta parou, olhou para o mestre e perguntou - "O que eu quero é ganhar. Por que me fala em sucesso?"
Do mestre sairam palavras arrastadas num tom grave e pouco audível - "Ah... ganhar. Isso." - mantendo a sua atenção no barro. Respirou fundo mais uma vez, na sua habitual tranquilidade, olhou directamente para Fernando com o poder do seu olhar profundo, e apontando o dedo retorquiu - "O que ganhas tu se te sentires bem sucedido?"