Prepararam o farnel, meteram-se no carro e lá se fizeram à estrada.
Pelo caminho falavam, brincavam e se divertiam muito. Paravam algumas vezes para apreciar paisagens ou simplesmente namorar, e reforçavam a vontade de chegar lá no alto. O tempo estava deslumbrante, os pássaros cantarolavam e as flores encantavam.
Chegados ao entroncamento de acesso ao topo sorriram, entre-olharam-se e assentiram no caminho a seguir. A estrada subia, subia, subia… e a temperatura baixava. A conversa começava a centrar-se cada vez mais no destino. Será assim, será de outro jeito, quando se lá chegar a vista vai ser única e maravilhosa. Na distracção do que há-de ser, deixaram de olhar para o que era. Já não se parava para apreciar uma paisagem, para namorar ou falar do que sentiam a cada momento. Apenas uma coisa importava: chegar ao destino, e que maravilhoso destino os aguardava. Aí sim, seriam tudo o que poderiam ser.
Por fim, passado muito tempo de conversa do que há-de ser, veio o aborrecimento. O foco no destino era demasiado forte, a tensão sentia-se a cada palavra e a cada gesto. E no silêncio do passeio, deram-se finalmente conta de que a estrada se tornara mais estreita, que o precipício já ia alto, o tempo estava cinzento, e que mais nada haviam partilhado um com o outro.
- Não importa, a estrada é suficientemente larga, ainda cabem quase dois carros! E esse cinzento… algumas nuvens de passagem com certeza. Quando lá chegarmos, teremos uma vista deslumbrante, e teremos motivos para sorrir!
Assim continuaram estrada acima, precipício de um lado, rochedo vertical do outro, e o tempo a arrefecer e tornar-se mais pesado. Passado algum tempo seguiam calados, ansiosos pelo destino. Ouvia-se a brisa lá fora, a respiração suspirada, algumas pedras a rolarem precipício abaixo, enquanto o motor do carro se esforçava por continuar a subir.
A certa altura pararam. A estrada não seria muito mais larga que os eixos do carro, estavam envolvidos num nevoeiro gélido, e não havia meio de saber se ainda faltava muito, se pouco. Olharam-se, receosos por dentro, confiantes por fora. Cada um, no seu íntimo, inclinava-se para desistir, e nenhum deu parte fraca. Para a frente é o caminho, e não seria uma estrada estreita que os faria voltar atrás. Continuaram, com o motor a esforçar-se cada vez mais e as rodas a roçar o abismo.
Continuou-se a subir e a subir, e começaram então as preocupações. E se viesse uma viatura em sentido contrário, e se se resvalasse pelo despenhadeiro abaixo, e se isto ou aquilo ou aqueloutro… e assim se continuava o caminho, porque voltar atrás não era opção e o destino era uma obrigatoriedade. Quando lá chegassem, enfim, descansariam.
De repente, quando o rochedo vertical já quase resvalava o carro e as rodas quase escorregavam pelo despenhadeiro, pararam assustados. Marcha atrás era muito arriscado, continuar seria um absurdo, abrir as portas e sair do carro era um risco. Sentiam-se encurralados. O frio era mais intenso, as nuvens abraçavam o carro, o suor começava a escorrer pela testa. Olharam-se, e o primeiro pensamento não foi a morte de si mesmos, mas a morte do outro. O pânico começava a instalar-se. O objectivo não era mais objectivo, e passou a ser uma memória estúpida e fugaz. Subir lá acima deixou de ser tema ou desejo. Tinha de haver outro caminho, outro percurso. Tinham de fazer outras opções. Algures lá atrás tinham-se envolvido tanto no objectivo que alguma coisa lhes escapou. O que fazer?
Sérgio Rito, Março de 2013