Os abelhudos iniciavam a sua atarefada e feliz época de colecta do pólen e produção de mel. O abelhudo e a sua abelhuda predilecta. A abelhuda e o seu abelhudo predilecto. Assim era todos os anos. Uma época colorida, repleta de vida, alegria e cheia de aromas doces e agradáveis.
Porém, algumas nuvens desentenderam-se com o tempo, baralharam-se com o sol e carregaram-se de um cinza escuro mal humorado. Encheram-se de toda a água do mar e dos rios e dos lagos. Ganharam peso e força, e teimaram em ficar.
O sol, descontente com a rebeldia dessas nuvens e sem as conseguir demover, pediu ao vento que o ajudasse a correr com elas. Afinal, não era o tempo das nuvens, mas sim o tempo do sol e das cores da primavera.
O vento aceitou o desafio e soprou e soprou e soprou com todas as forças que tinha. Mas as nuvens não arredavam pé, e para se fazerem valer e mostrarem a a sua determinação, lançaram raios de luz incandescentes e assombrosos estrondos ensurdecedores. O vento, não dando parte fraca, sopra tão forte que as árvores se arrancaram do chão, as ervas se colaram ao chão e as pedras rebolaram pelos campos. O sol esforça-se por aquecer as nuvens e dissipar a sua água, mas nada parece resultar. Os campos murcham, as cores vivas esvaem-se deixando tons mortos e escuros, e todo o horizonte parece cinzento e desolador, sem qualquer graça. Por mais que o sol diga às nuvens que o seu tempo é no outono e inverno e que esse tempo voltará em breve, que há um tempo certo para todos e que existe um equilíbrio nas quatro estações do ano, as nuvens não se deixam convencer, e aclamam para si todas as estações do ano, todos os tons de cinza e negro, todo o direito aos estrondos, raios e escuridão. E para reforçar a sua determinação, soltam mais estrondos, mais raios incandescentes e adensam a sua presença, bloqueando cada vez mais qualquer claridade que o sol lançasse aos campos que já deixaram de florir. As nuvens não percebiam que para existirem também precisavam de dar lugar ao sol e às cores e aos animais. Pois é com base nesse equilíbrio das nuvens escuras e pesadas cheias de chuva, e do sol colorido e alegre, que faz com que todo o sistema funcione bem, por mais tempo e se torne mais forte.
O abelhudo olhava desolado e sem compreender o que se passava. Dando as mãos à abelhuda, protegiam-se os dois debaixo de uma espessa folha de uma árvore, agarrando-se com firmeza a um tronco que resistia ao vento. Olhando os seus corpos, parecia que até as suas faixas amarelas se tornavam cinzentas e desprovidas de vida. Todos os pássaros fugiram e todos os insectos retornaram aos seus casulos. Os abelhudos decidiram não arriscar voar até à sua casa, e esconderam-se num buraco que encontraram na árvore, na expectativa de se protegerem dos ventos fortes, arrasadores, e da ira das nuvens.
O vento sopra mais forte, o sol aquece mais alto e as nuvens, determinadas, desmancham-se num dilúvio. Os campos ficam alagados, as terras movem-se com as correntes e apenas se salvam os cumes dos montes. É então que o sol se lembra que se tinha esquecido de lançar o arco-íris da primavera, com o esplendor de todas as suas cores.
E assim, o sol lança o arco-íris. Esse arco-íris, na presença das carregadas nuvens, forma a mais bela e atraente paleta de cores jamais vista. E as nuvens, vendo o arco-íris que com elas se produziu, ficam hipnotizadas pela sua beleza. As nuvens rendem-se à beleza do arco-íris de que elas próprias faziam parte, e afastam-se contentes em direcção ao horizonte.
Os primeiros raios de sol despontam sobre os campos e o vento acalma as suas investidas. As nuvens, aos poucos, desaparecem. As águas escorreram para o mar, levando consigo algumas árvores e pedras pelo caminho, e deixando atrás de si as marcas da batalha do tempo fora do seu tempo.
Primeiro um, depois mais alguns, vão aparecendo os pássaros e os insectos. O abelhudo e a abelhuda espreitam lá fora e sorriem perante o que os espera. O céu voltara a ser azul, os campos começavam a verdejar, e as primeiras cores a despontar. Em pouco tempo, os prados estavam repletos de um fundo verde vivo, muito bonito, pintado de todas as cores do arco-íris, que se deixou cair como um manto sobre os campos. Os abelhudos iniciam assim a sua colecta de pólen e produção do tão delicioso mel. Ambos sorriem com o sol, com o verde colorido, as flores a dançar e os pássaros a cantar. O tempo voltara a ter o seu lugar certo. E mais tarde apareceria o verão, depois o outono e, por fim, voltariam as nuvens carregadas de cinzento para o inverno, mas desta vez no seu tempo certo, como sempre, e para que todo o sistema viva em equilíbrio e se torne cada vez mais forte. Agora, é tempo de viver todas as cores do universo.
~ Sérgio Rito, 28 de Dezembro de 2013
(baseado num sonho de 26 para 27 de Dezembro)