O som era sumido, quase que abafado, apesar de bem perceptível. Por isso não incomodava particularmente. Por vezes até se tornava agradável. Era como um som de fundo a todos os sons da cidade, os carros, as crianças a brincarem na rua, os pássaros, as folhas das árvores que abanavam ao vento.... e olhar pela janela deste quinto andar era como ver um filme experimental com uma banda sonora tão característica dos nossos traços culturais. É um transporte a outra dimensão, para alem do óbvio, e onde a criatividade e a imaginação ganham espaço próprio construindo vidas imaginadas..
Mais tarde descobri a origem, quase que por acaso. no prédio das traseiras, num primeiro andar mesmo junto à janela da varanda. Não consegui perceber se se trata de um homem ou de uma mulher, nem da sua idade. O que consigo ouvir é a persistência e a dedicação, o empenho na sua arte, com uma partitura à sua frente para seguir certas as notas de cada composição musical, de forma persistente. E a cada erro, uma nota ao lado, uma falha no ritmo, segue-se em frente, continuando no seu caminho ao encontro daquilo que parece ser a sua satisfação a cada melodia.