Estava sentado, a conversar com outro cliente como costume, e a comer o que me pareceu um pão-de-leite ou croissant, aparentemente com manteiga e fiambre. Puxando pela memória, sempre que o vejo está a comer algo deste género
O meu pensamento na altura foi de julgamento. Não propriamente um julgamento maldoso, mas algo do estilo "Como não havia de estar obeso, se sempre que o vejo está a comer pão ou bolos?"
Logo de seguida uma voz interior se fez ouvir, perguntando: "Mas como sabes que ele se sente mal como está? Como sabes que ele quer não estar obeso? E o que há de errado com isso? E se ele se sentir muito bem assim? E se deixar de comer o que come para ficar em melhor forma for, para ele, pior que manter-se obeso e entregar-se aos seus prazeres gastronómicos? E que julgamentos poderão outras pessoas fazer de ti. sobre alguns dos teus comportamentos, sem ter em conta toda a tua 'realidade', como estás a fazer em relação àquele cliente?"
Nesse instante comecei a sorrir e a pensar de onde teria vindo aquela necessidade de julgar. E de que me serviria esse julgamento. Afinal, aquele julgamento só considerou a minha perspectiva daquilo a que posso chamar de realidade, com base em pressupostos fictícios, tornando assim o julgamento numa perfeita alucinação. É um julgamento que não serve ninguém, nem a mim, nem aquela pessoa. E se a minha intenção fosse ajuda-lo de alguma forma, a primeira coisa a fazer seria conhecer os seus desafios, e eu não conheço os seus desafios.
O que observei depois foi esse mesmo cliente a conversar com a pessoa da mesa ao lado. As expressões de ambos, olhos nos olhos, os gestos ondulados e a ligeira inclinação dos corpos na direcção um do outro, transmitiu-me serenidade e harmonia. Parecia-me, também, que ele se estava a deliciar com o pedaço de comida que segurava numa das mãos, pela forma como parecia segurar delicadamente no último pedaço. É apenas uma interpretação, seu sei. E toda esta observação fez-me sorrir de satisfação. Fez-me sentir bem ver duas pessoas em aparente harmonia.
É curioso o que podemos observar quando deixamos de julgar, focando a nossa atenção no que está a acontecer e não naquilo que julgamos estar a acontecer. Colocando o nosso foco naquilo que efectivamente está à vista em vez do que alucinamos poder estar a acontecer. Deixar de observar os outros de acordo com os nossos princípios, os nossos valores e intenções, e deixa-las estar de acordo com os seus próprios princípios, valores e intenções.
E quem sabe... talvez assim ainda nos arrisquemos a descobrir magia ao virar da esquina...