O instinto da propagação da espécie não é racional. Esse instinto encontra-se gravado nos programas mais profundos e primitivos da nossa inconsciência. E a forma de actuação é através da procriação num nível elementar, criando assim condições para a propagação do colectivo. Ou seja, não se trata propriamente de uma ação social concertada, mesmo que a um nível inconsciente, mas sim de uma procriação de cada elemento da espécie como forma de prolongar a espécie num todo.
Claro que, tratando-se de uma espécie de hábitos sociais - a união faz a força - a um nível pouco alargado esse instinto pode ir além do seu próprio ser, mas normalmente restrito a um pequeno grupo de indivíduos ou tribo (nos dias de hoje, a família ou um grupo social intimamente interligado ou, nalguns casos, a um nível de identificação mais lato como localidade, nação, raça, religião, etc.).
Nos primórdios do nosso desenvolvimento, a sobrevivência da espécie dependia do acasalamento e procriação para dar continuidade à espécie. Para que isso se verificasse, eram seleccionados apenas os mais aptos que oferecessem as melhores oportunidades de sobrevivência. Portanto, apenas os indivíduos que, de alguma forma, demonstrassem capacidades ou características de aptidão eram "escolhidos" para acasalar e... bem, já sabemos o resto da história.
Para que isso acontecesse, o instinto guia-nos através das nossas emoções. E através dessas emoções somos levados a agir de determinada forma, quer na demonstração de aptidão, quer no cuidado e protecção da descendência. Por outras palavras, a capacidade de defender de predadores, caçar para obter alimentos, cuidar para criar descendentes mais fortes e saudáveis. E para isso seriam necessárias estratégias de longo prazo, e então desenvolveram-se também emoções associadas à pertença, ao amor...
Hoje, esses instintos permanecem válidos, mas a sua aplicação é normalmente inadequada. Os contextos são muito diferentes daqueles onde a espécie se desenvolveu e cunhou os seus programas de sobrevivência. Não existe propriamente o risco de não conseguirmos propagar a espécie. Muito pelo contrário, corremos o risco de sabotarmos essa mesma existência através da sobre-população, pelo menos considerando os actuais hábitos de produção e de consumo.
Então, essas estratégias revelam-se nas mais caricatas das situações, algumas com impactos pessoais ou sociais consideráveis. Por exemplo, se a pessoa A compra um carro maior, o vizinho sente a necessidade de comprar um igual ou maior ainda. Se o grupo A têm acesso a uma educação melhor, mesmo que com recurso a um método eticamente questionável, o grupo B mais tarde ou mais cedo acaba por querer adoptar um método semelhante, mesmo sabendo que o método carrega consigo riscos a longo prazo. A razão é muito simples, se o grupo A conseguir, de um momento para o outro, criar uma geração de pessoas mais capazes, então a sobrevivência do grupo B fica em risco. Estas competições verificam-se a todos os níveis, desde o desporto ao sentido de nacionalidade, raça ou religião, e podíamos continuar por aqui fora. Em último caso, de família para família.
Os comportamentos aparentemente estranhos, quando observados à luz dos nossos instintos mais primitivos fazem todo sentido. As emoções que guiam-nos e orientam-nos a objectivos concretos mas muito inconscientes. E hoje os predadores não são reais, e essas estratégias de sobrevivência acabam por se verificar inadequadas à maioria dos contextos actuais.
Talvez seja uma boa ideia questionarmo-nos sobre alguns dos nossos comportamentos, o que temos a ganhar com eles, o que temos a perder com eles, nos diferentes contextos em que se verificam. E a partir desse ponto, talvez possamos criar uma nova estratégia... a de viver no lugar da sobreviver. É que para viver, podemos usar algumas das mesmas estratégias, mas com uma intenção muito diferente e mais ecológica. E talvez dessa forma, com recurso às mesmas estratégias e emoções agora direccionadas a algo mais ecológico, possamos criar uma forma de viver mais agradável e com um sentido mais profundo.
Claro que esta publicação peca pela sua abordagem simples e superficial, e que os nossos comportamentos vão muito além do simples instinto de sobrevivência. Claro que poderíamos explorar aqui um vasto conjunto de motivos e intenções subtis que nos levam a fazer o que fazemos. Claro que esta publicação é mais uma alucinação sobre as verdadeiras razões do nosso comportamento em geral, como todas as restantes com maior ou menos probabilidade de acerto. Claro que... claro!
E qual é o teu instinto de hoje?